
APPOGGIATURA
Traveller
com o apoio de
Edições de Autor
Prefácio de Pedro Sena-Lino
54 pp | 19x13 cm
Capa do Autor
Design de capa: Sérgio Pereira
Revisão e paginação: Tiago Costa
Lisboa, 2014
1ª edição | 200 exemplares
Depósito Legal | 381430/14
7,5 € | 5 £ | 9 US $
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3 poemas:
CORTAMENTO
O corte glabro
No rasgo perene do interdito
Do sabre, esse recôndito templo,
Tem reflexos áureos
No abismo lácero
Onde penetra a sua apojadura
De esfacelo
De posse
De cativo
De saque
Da guerra
Da vida.
O feminil dessa pueril febre
Que aos Ares sacia e enobrece
Não consome o nácar sórdido
das efusões que golpeia.
Delas o invisível brota
Aspirando à eternidade
Que nunca vem, nem existe.
LIQUOR
A marcha já fossilizada da amaurose
Vil aos gerânios amativos
Que marasmam em godés,
Em estúdios onde não florescem pincéis
De escura marta
Lembram um tempo de absurdo vácuo
Nevam flocos do fel
Da acérrima zurrapa
Decaída em cálice de perfídia.
Quisera Dionísio, rubicundo,
Entreter-se nos vapores
Dessa dura academia
E os asnos crisóstomos não teriam sede
Nem frio
Nem o medo de submergir
Na noite da verdade.
ÁTILA
Na provação dos interditos
A horda da aridez dos penhascos
De onde migram tribos de lei e preconceito
Atormentam uma linfa,
Retorno incoercível de si a si.
O vácuo vago e cavernoso
Dos ecos ressoados
É como o trilo onírico
Das margens do Cefiso.
Tamanha a vaidade desse domínio
Qual vapor que ascende
E se dissipa nas ogivas da carne do corpo cru.
O impensável transmissível sentimento
Protegido do humor gelado que,
Duro, quer ser mas não existe.
Já consumido, excepto na palavra, na função,
Pelo branco carvão severo, negra hulha abrasadora
Que o impede sequer de arder.
O fumo, a cinza, os despojos
De uma alma
Saqueada pelo vazio da alma
Aniquilada por caninos de chacais inocentes
É, ao fim, máquina de exprimir sem viver.
A precisão do instante
[prefácio a Appoggiatura, de Pedro Teixeira]
«Não fujas, breve instante», a frase do Fausto de Goethe que parece atravessar e estender-se ao longo deste livro de poemas. Porque uma precisão do instante usa o ferro aceso dos versos para fixar o tempo incorpóreo:
Vivendo em três compassos no tempo
Não na eternidade. É-se de agora
Ou nunca, em alturas que não nos
Pertencem pelo que somos. Nunca
Ontem e no devir, no que se lembra
E no que se sonha.
Três aspectos alastram neste livro de estreia para além desta circunstância; linhas de força que se projectam para um futuro que versos novos ainda hão-de rasgar.
1. A fuga do sujeito de enunciação. O poema não nasce da expressão do eu, mas de uma espécie de ponto de fuga, de onde o sujeito fala e projecta voz e texto. É uma voz pintada, quase cinematográfica, que vem de um lugar estático e sofridamente amoroso que pede a sua própria definição.
Nos dias da maternidade
Da obra, esse parto redentor
Uma turba de malfeitores
Compram e vendem
Testículos de agressividade fêmea.
Crepitam dedilhando
O saltério da incerteza
A lira do interdito.
2. A temática clássica, recuperada em vocábulos latinos chegados ao Português por via erudita, e pelas referências mitológicas:
-
Descendência da descendência da luz,
As hirtas hastes da harmonia
Sublevam o zéfiro ebúrneo exalado de Apolo.
Ou ainda:
(...) Nunca
Ontem e no devir, no que se lembra
E no que se sonha. Querendo o agora
Está-se com Pã, antes e depois,
Na ideia no ar fugaz do instante.
Essa temática é uma prática (ou estética) do excesso de referências; mas também uma tentativa de aprofundar o presente instantâneo pelo passado imutável – de criar o espaço entre a luz de uma estrela e a sua história a ser projectada na Terra.
3. E essa rigorosa, alta precisão, de vocábulos, da narrativa das imagens, da deriva emocional. Muitas vezes assente em escolhas semânticas de recorte barroco, arcaizante. Elipses semânticas que descrevem enumerações do excesso, acumulações de significado, amplificações do mínimo. Como se a função da linguagem fosse ampliar o instante, mínimo na sua duração, significado ou elementos.
A nuvem abissal que agora chove
Pérolas, excrescências barrocas
De ostras de mágoa
Termino este prefácio com uma história: tive o gosto de ler este livro, pela primeira vez, há doze anos. Logo a sua força me levou a escrever umas primeiras notas de leitura. Procurei-as, mas ficaram perdidas na instabilidade dos suportes informáticos. Porém, estas novas linhas reproduzem o mesmo encantamento surpreso da primeira vez que o li. E os doze anos que mediaram da sua escrita à sua publicação, tornaram estas palavras ainda mais reforçadas na precisão que dura para além de um instante, mas o fixa em avenidas de água.
O dia em que o sangue
Corre mais quente.
Pedro Sena-Lino
Bruxelas-Berlin, 24 de Março de 2014
APPOGGIATURA
de Pedro Teixeira
Apresentação | 19 de Dezembro
Livraria Ler Devagar | Lx Factory | 18h
com presença do Editor